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domingo, 26 de dezembro de 2010

Decifrando o cérebro humano com a ajuda de uma mosca

 

Pesquisadores criam mapa das ligações cerebrais de uma drosófila

The New York Times

Mosca da fruta

Drosophila sp., a mosca da fruta

Seis das substâncias químicas que transmitem mensagens entre os neurônios são as mesmas nos humanos e nas moscas da fruta

Pesquisadores de Taiwan conseguiram mapear 16 mil dos 100 mil neurônios do cérebro de uma mosca-da-fruta e reconstruíram seu mapa de ligações cerebrais. Em termos semelhantes aos que definem os computadores, a equipe descreveu a arquitetura geral do cérebro da mosca como composto por 41 unidades de processamento local, 58 vias que ligam as unidades a outras partes do cérebro e 6 hubs, ou centrais de distribuição. 

Os biólogos vêem esse atlas do cérebro da mosca como o primeiro passo para a compreensão do cérebro humano. Seis das substâncias químicas que transmitem mensagens entre os neurônios são as mesmas nas duas espécies. E a estrutura geral – dois hemisférios com várias ligações cruzadas – também é semelhante. 

"Acho que este é o começo de um novo mundo", diz Ralph Greenspan, um neurocientista da Universidade da Califórnia em San Diego. Os biólogos agora serão capazes de comparar os bem conhecidos comportamentos da mosca com os circuitos cerebrais estabelecidos pelo novo atlas, disse ele.

Atlas tridimensional — O atlas é mantido em um supercomputador em Taiwan, que biólogos que estudam moscas ao redor do mundo podem consultar. Também podem fazer uploads, com suas próprias imagens de neurônios de moscas-da-fruta. "Acho que isso realmente vai acelerar o processo", disse o especialista em neurobiologia Josh Dubnau, do Laboratório Cold Spring Harbor, em Nova York. 

Reprodução

O pesquisador Ann-Shyn Chiang, de Taiwan

O pesquisador Ann-Shyn Chiang, de Taiwan

A equipe de Taiwan, liderada por Ann-Shyn Chiang, vem trabalhando no projeto desde a década passada. Ele reuniu um grupo de 40 pessoas que inclui programadores e engenheiros, trabalhando com um orçamento anual de 1 milhão de dólares. 

A base do atlas é uma técnica de visualização da estrutura tridimensional individual dos neurônios, incluindo o núcleo da célula, seu longo axônio e o pequenos ramos, ou dendritos, com os quais entram em contato com outros neurônios. 

Proteína fluorescente e cérebro transparente — A complexa estrutura de um neurônio pode ser evidenciada com uma proteína fluorescente verde. O gene da proteína é inserido no genoma da mosca-da-fruta, junto com outro gene que o reprime. Chiang desenvolveu uma técnica para a repressão do gene em apenas um neurônio de cada vez. Quando o gene se expressa, a proteína fluorescente verde chega a todas as partes do neurônio, definindo sua estrutura nos mínimos detalhes.

Ele também inventou um solvente para tornar o cérebro da drosófila transparente. Isso é essencial para o neurônio brilhante ser fotografado com precisão. O solvente é tão eficaz que se um pesquisador não ficar de olho no cérebro dissecado numa lâmina de microscópio, o cérebro pode simplesmente desaparecer quando o solvente é adicionado, disse Dubnau.

Cada cérebro de mosca tem um forma e tamanho diferentes, então a equipe de Chiang tem de definir a as dimensões médias para o cérebros masculinos e femininos, criando um cérebro virtual com dimensões padronizadas. Depois eles desenvolvem algoritmos de reformulação da imagem 3D de cada neurônio, de modo a registrá-lo com o tamanho padrão. Isso significa que as 16 mil imagens de neurônios, cada qual vindo de uma mosca diferente, podem ser comparadas em conjunto. 

Código de barras — Cada neurônio ganha um código de barras com as coordenadas de onde seu núcleo celular se encontra dentro do cérebro da drosófila padrão, assim como informações sobre as outras partes do cérebro a que o neurônio se conecta e que tipo de transmissor químico utiliza. 

Um grande revés ocorreu no meio do projeto quando Chiang descobriu que poderia coletar dados cinco vezes mais depressa se gravasse as imagens dos neurônios de uma forma diferente. "Dolorosamente", disse ele num e-mail, "tivemos de jogar todos os dados antigos fora", embora 3 mil neurônios já tivessem sido fotografados. 

O código de barras do neurônio são informações numéricas que pode ser manipuladas por computador. Com 6 mil imagens em mãos, a equipe de Chiang foi capaz de analisar a arquitetura geral do cérebro da fêmea da mosca-da-fruta. O elemento básico, que eles chamam de unidade de processamento local, é um grupo de neurônios com conexões interneuroniais que não se estendem além do próprio grupo. 

As unidades de processamento local correspondem às regiões anatômicas conhecidas do cérebro da mosca. São as mesmas em todas as moscas e lidam com tarefas específicas como o gosto ou o movimento. 

Supercomputador — O cérebro da mosca se torna um "sistema híbrido de computação em grade e um supercomputador", disse Chiang. "Isso nos diz como um cérebro complexo se organiza e funciona. Dada a evidência crescente de programas de conservação genética que ressaltam o desenvolvimento e funções cerebrais, o cérebro humano consiste de unidades semelhantes de operações básicas."

O único sistema nervoso explorado até agora com grandes detalhes foi o da lombriga C. elegans. Mas o sistema do verme tem apenas 302 neurônios e talvez não mereça ser chamado de cérebro. O cérebro da mosca, com seus 100 mil neurônios, pode se revelar um melhor ponto de partida para a compreensão do cérebro humano, que tem um número estimado de 100 bilhões de neurônios, cada um com cerca de mil sinapses. 

"A beleza desse trabalho está na plenitude do que realizou; na visão que teve para desenvolver por mais de uma década uma série de novos métodos para fazer frente a um problema que eles viam como fundamental", disse Dubnau, referindo-se ao trabalho da equipe de Chiang. O estudo de Chiang foi publicado na última edição da Current Biology.

Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/decodificando-o-cerebro-humano-com-a-ajuda-de-uma-mosca

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Bactéria que se alimenta de arsênio

Bactéria que se alimenta de arsênio entusiasma cientistas brasileiros

Para pesquisadores da USP, a descoberta pode ser o indício da existência de outros organismos inimagináveis até agora. A Nasa, autora da pesquisa, também acredita que ainda há muito a se investigar.

Cientistas brasileiros receberam com entusiasmo a pesquisa divulgada, nesta quinta-feira (02), pela Agência Espacial dos Estados Unidos. A Nasa anunciou a descoberta de uma bactéria que tem um metabolismo inédito. Quer dizer, pra viver, ela produz energia de uma forma que a ciência ainda não tinha registrado em nenhum outro ser.

A descoberta, anunciada nesta quinta, tem uma dose de ficção científica, mas, segundo a Nasa, é bem real. Existe, aqui na Terra, vida numa forma diferente da que se conhecia até hoje: é a bactéria GFAJ-1.

A descoberta mexeu com a comunidade cientifica do mundo todo. Aqui no Brasil, também causou euforia. Para pesquisadores da Universidade de São Paulo, ela abre um campo para possíveis descobertas de novos organismos.

“A questão é que foi aberta uma porta de um novo mundo para a biologia”, afirmou Dougla Galante, do laboratório de Astrobiologia da USP.

Cientistas acreditavam que todo ser vivo, do mais simples parasita ao homem, precisava ter no mínimo seis elementos químicos básicos: oxigênio, carbono, hidrogênio, nitrogênio, enxofre e fósforo. Mas, segundo a Nasa, a bactéria encontrada em um lago da Califórnia é uma exceção.

Os pesquisadores cultivaram a bactéria com uma dieta que substituiu gradualmente o fósforo por arsênio, um elemento venenoso para a maioria dos seres vivos. A bactéria conseguiu se multiplicar e ainda modificou seu próprio DNA, trocando parte do fósforo pelo arsênio.

“É possível, então, que exista toda uma série de microorganismos vivendo junto com a gente, dividindo o planeta com a gente, talvez em uma proporção tão grande quanto os organismos ‘normais’, mas que a gente não consegue detectar”, declarou Douglas Galante.

“Com o dado novo, nós podemos ir atrás de outras questões relacionados, não só a questão de origem da vida, origem do material genético. E pensando, uma preocupação da Nasa, com a questão da origem da vida fora da Terra”, esclareceu Eduardo Gorab, professor de Genética e Biologia Evolutiva da USP.

Os próprios autores da pesquisa americana admitem que esse foi apenas um passo e que há muito a se investigar. “Existe detalhes do trabalho que não foram explicitados. Certamente, essa discussão vai continuar nos Estados Unidos e os autores do artigo e também aqueles que criticam terão a chance de se manifestar”, informou Eduardo Gorab.

Fonte: G1